Artigo: Por que luto e sonho

19/2/2014 - Acho que dá pra escrever um livro com as histórias que ouço nos ônibus da vida.
Faço estágio num bairro nobre da cidade e meu horário de saída coincide com a saída de dezenas de trabalhadoras. Elas são diaristas, porteiras, faxineiras, babás e empregadas domésticas. É impossível não prestar atenção em seus diálogos com outras companheiras de trabalho e amigas. Suas conversas versam, basicamente, sobre um assunto: o trabalho.

Já ouvi de tudo, tudo mesmo. Esses dias, ouvi uma moça dizendo que se arrependeu de ter trocado seu antigo emprego (numa loja no centro) por um novo, pois sua nova patroa, que a tinha contratado para ser babá, fazia ela se ocupar também dos afazeres domésticos. Essa moça ficava muitas horas do dia nesse apartamento (suponho que trabalhando mais de 8 horas). Não lhe pagavam o salário equivalente às suas atividades e ainda não recebia o almoço!

Sempre as vejo comentando também sobre as humilhações que sofrem no ambiente de trabalho e da quantidade de trabalho extra que fazem sem receber nada em troca.

As condições em que vivem essas mulheres trabalhadoras me arrancam o coração fora! Imagina o delas?
Além das condições de trabalho, ouço histórias relacionadas aos seus relacionamentos e sobre a vida em geral...

Sábado, voltando pra casa, ouvi a história de uma moça que foi perseguida por seu namorado. E ela contava também do caso de uma amiga que foi ameaçada e torturada com um fio de ventilador, porque seu ex-namorado não se conformou com o fim do relacionamento!

Ah, tem também a história de um trabalhador de Jacareí que foi contaminado com uma substância usada na solda. Essa substância era radioativa. E ele teve de fazer dezenas de cirurgias por causa do câncer que desenvolveu e quase todos seus ex-companheiros e companheiras de trabalho já haviam falecido por conta da contaminação. Depois ele se despediu e disse que estava indo ao médico novamente.

E tem muitas e muitas outras histórias como essas... e vidas, muitas vidas nessas condições... Até quando?
Aí me pergunto: como é que nessa vida eu poderia deixar tudo isso acontecendo e permanecer indiferente a todas essas dores? Como poderia não me inconformar? Como poderia não querer mudar o que os meus olhos veem e o que meu coração tanto sente?

Como eu poderia achar normal uma classe explorar outra classe? Como eu poderia ver que alguns poucos tem tanto e muitos quase nada? Como eu poderia achar banal uma mulher ser subjugada, humilhada em seu local de trabalho e ser vítima da violência machista (que mata, fere e arrasa a vida de inúmeras mulheres todos os dias)? Como?

É impossível ficar de olhos vendados.  E é por isso que eu luto e sonho!


Por Jéssica Marques, da juventude do PSTU de São José dos Campos