“Nos tiraram tanto, que nos levaram o medo”


Por Gabri Ela, Lit-QI *

Seis de dezembro foi um dia simbólico na Cidade do México. Há 100 anos, Emiliano Zapata e Pancho Villa entravam com tropas revolucionárias na capital do país. Este ano, a data ganhou um novo sentido.

Há 70 dias do sequestro dos estudantes de Ayotzinapa, o distrito federal foi tomado por ‘campesinos’, ‘obreros’ e ‘populares’ de todo tipo. As reivindicações também são pelas condições de vida e refletem o momento de desaceleração econômica que vive o país (a moeda nacional não se desvalorizava tanto desde 2009).

O presidente Peña Neto lançou essa semana um plano específico de desenvolvimento para Guerrero (estado no qual fica Ayotzinapa), mas longe de estancar a crise que assola o México, essa é uma política ainda sem reflexos de apaziguamento. Tanto é assim que o secretário de segurança do distrito federal (Cidade do México) se demitiu na última sexta depois das 14 prisões durante as Marchas e sua péssima repercussão. Até a Igreja Católica se pronunciou. Através da Conferência do Episcopado Mexicano exigiu do governo atenção às vítimas de violência e garantia da população manifestar-se (em resposta às medidas anti-protestos do governo).

Não há dias sem manifestações no México nos últimos dois meses. A maioria por Ayotzinapa, mas a ‘tampa aberta’ pela tragédia de Iguala revela muitas outras.

Também na sexta feira um jovem de Chiapas ateou fogo ao próprio corpo pela libertação de seu tio, ativista político, preso desde 1º de maio. Longe de ser o único a auto imolar-se, o jovem foi seguido por outros manifestantes que costuraram suas bocas ou ‘apenas’ fazem greve de fome.

O México transpira agonia e raiva. A frase muito usada por aqui “Nos quitaron tanto que nos quitaron el miedo”* pode ser sentida e comprovada a todo momento. O grande aliado dos governos e do tráfico agora é dominado pela população. A Marcha de hoje é uma grande prova disso. Os grandes contingentes policiais não intimidaram a multidão nas ruas. Há muita certeza entre os manifestantes que a luta deve continuar, inclusive considerando um refluxo no próximo mês.

Cem anos depois, a Cidade do México é tomada por um novo processo convulsivo de repercussão ainda desconhecida. O que os mexicanos voltam a conhecer, porém, é sua força em luta.

“Nos quitaron tanto, que nos quitaron el miedo”





* Relato da estudante de licenciatura em Letras da USP, Gabriela Hipólito, que está no México participando das lutas contra o desaparecimento dos 43 estudantes.

Texto publicado no site da LIT-QI