Não basta derrotar Aécio. Dilma também não governa para os trabalhadores

Zé Maria, presidente nacional do PSTU
23/10/2014 - O porquê do voto nulo no segundo turno

A discussão que percorre amplos setores da população neste momento – em quem votar para presidente no próximo dia 26 – também ocorre no interior da chamada esquerda socialista de nosso país. O PSTU e o PCB definiram apoio ao voto nulo. O PSOL divulgou nota chamando voto contra Aécio, e seus principais dirigentes (sua bancada parlamentar federal, por exemplo) chama o voto em Dilma. O argumento: seria o “menos ruim” ou, dito de outra forma, para evitar o “mal maior”. Sem dúvida um raciocínio que navega a favor da corrente de pressão em favor do voto útil em Dilma para evitar a volta do PSDB, bastante disseminado hoje em dia. Mas é um raciocínio correto?  Escrevo esta nota para problematizar um pouco este debate.

A candidatura de Aécio Neves, do PSDB, recebe merecido repúdio de parcelas amplas da classe trabalhadora e, em particular da esquerda. Sim, merecido, porque esta candidatura representa diretamente os interesses dos bancos, multinacionais (o apoio da revista “The Economist” não deixa lugar a duvida) e da maioria do grande empresariado (maioria, pois uma boa parte segue apoiando Dilma). O PSDB quando governou o Brasil com FHC, privatizou o patrimônio público (quebrou o monopólio estatal do petróleo, privatizou o setor de telecomunicações, grande parte do setor de energia, etc). Atacou os direitos dos trabalhadores aplicando um modelo econômico sob encomenda para atender os interesses do sistema financeiro e do grande empresariado. No governo, o PSDB reprimiu e criminalizou fortemente as lutas dos trabalhadores – os petroleiros nunca vão se esquecer dos tanques do Exército dentro das refinarias para reprimir sua greve em 1995. Nada diferente do que faz Geraldo Alckmin em São Paulo ou o próprio Aécio fez quando governou Minas Gerais. Não por acaso, esta candidatura é o endereço natural do apoio dos setores direitistas e reacionários de todas as matizes.

Aqui abro um parêntesis para diferenciar desta situação àqueles trabalhadores que, cansados de esperar as mudanças prometidas pelo PT, revoltados com a traição deste partido, resolveram dar um “voto castigo” no PT votando no candidato do PSDB, ou seja, um voto em Aécio para castigar o PT. Não são poucos. Entendo a revolta destes trabalhadores, mas quero dizer que acho um erro terrível a decisão de votar no PSDB. Aécio no governo não vai castigar o PT, vai castigar e atacar duramente a nós trabalhadores, aposentados, as mulheres, a juventude, especialmente a juventude negra e pobre das periferias. Vai reprimir duramente nossas lutas. Não vai realizar nenhuma das mudanças que queremos e necessitamos, pelo contrário, vai aumentar a exploração, as privatizações e desmontar ainda mais os serviços públicos para jogar os custos da crise econômica que está chegando nas nossas costas para salvar os lucros astronômicos da banca e das grandes empresas. Fecho parêntesis.

No entanto, tampouco podemos dizer que as mudanças virão da continuidade do governo do PT, ou seja, com a reeleição de Dilma. Os doze anos de governo do PT, contrariando as expectativas que os trabalhadores tinham quando este partido chegou ao governo, não deixam lugar a duvida: quando decidiu se aliar aos bancos e grandes empresas, para ganhar as eleições e, depois, para governar, o PT perdeu qualquer condição de mudar o país para beneficiar o povo. Os governos do PT aplicaram programas que diminuíram a miséria e o sofrimento de uma parte da parcela dos mais pobres do país, mas poderiam e deveriam ter feito muito mais e não fizeram. Isto porque continuou a privilegiar os interesses dos bancos e das grandes empresas como fazia o governo anterior, a garantir o lucro destes setores. Nos governos do PT os bancos e grandes empresas tiveram ainda mais lucro do que com FHC.

É para os bancos que segue sendo canalizado o grosso da riqueza produzida pelo trabalho do povo. Isso fica claro quando se compara o que o governo petista gasta do orçamento com os pobres e com os banqueiros. O Bolsa Família consome cerca de R$ 24 bilhões /ano; já a “Bolsa Banqueiro” consome cerca de R$ 900 bilhões/ano para o pagamento da mal chamada dívida pública aos banqueiros e especuladores do sistema financeiro. Qual é mesmo a prioridade? É o Bolsa Família? Ainda tem os subsídios fiscais para o grande empresariado enquanto a saúde, educação, o transporte público, agonizam num completo caos, sacrificando a população pobre que depende dos serviços públicos. Sem falar que as privatizações que FHC começou, continuam no governo petista, com os leilões do Pré-sal, só para dar um exemplo.

Aécio defende a redução da maioridade penal como forma de aumentar ainda mais a criminalização das lutas e da pobreza. E Dilma propõe expandir o sistema de repressão utilizado durante a Copa do Mundo contra as greves e os movimentos sociais (quando até a Força Nacional de Segurança, Polícia federal e Exército Brasileiro foram colocados nas ruas para reprimir as lutas dos trabalhadores e da juventude). As duas candidaturas são financiadas pelos mesmos bancos, empreiteiras e grandes empresas do agronegócio. Vão governar para estas empresas, caso ganhem as eleições, e não para os eleitores que votaram nelas.

Ou seja, as mudanças que os trabalhadores precisam para que todos possam ter vida digna não virão da candidatura do PSDB. E tampouco virão da continuidade do governo petista. São duas alternativas que atendem aos interessas do grande empresariado. Não há alternativa “menos ruim”. As duas vão atacar os trabalhadores depois das eleições, por isso o desafio imediato é organizar a luta para resistir e defender nossos direitos.  Os trabalhadores precisam construir nas lutas e nas ruas a sua própria alternativa, classista e socialista que possa, de verdade, mudar o país: por um governo dos trabalhadores, sem patrões.

Uma alternativa de classe, de luta e socialista
Uma alternativa de classe e socialista implica defender um programa anticapitalista, que aponte para as mudanças que o país precisa para avançar rumo a uma sociedade socialista, livre das injustiças e desigualdades em que vivemos hoje.  Um programa que garanta o salário mínimo igual ao calculado pelo Dieese (em torno dos R$ 2900); redução da jornada de trabalho sem redução dos salários e o fim das terceirizações; aplicação de  10% do PIB para a educação e para a saúde pública, já; transporte público de qualidade com tarifa zero, fim das máfias do transporte e estatização deste serviço público; fim do fator previdenciário já e a anulação da reforma da Previdência de 2003; suspensão imediata do pagamento da dívida pública aos banqueiros e auditoria dos contratos desta dívida; proibição de remessa de lucros das multinacionais e bancos para o exterior; estatização do sistema financeiro; nacionalização da terra com a expropriação do latifúndio e das grandes empresas do agronegócio para fazermos uma ampla reforma agrária no país; fim da criminalização dos movimentos sociais e das lutas, desmilitarização das PM’s e fim do genocídio da juventude pobre e negra das periferias; combate ao machismo, ao racismo e á LGBTfobia; dentre outras questões.

Um programa como esse não vai ser defendido, e muito menos realizado pelo candidato do PSDB, mas também não pela Dilma, do PT. Só um governo dos trabalhadores, sem patrões, um governo da nossa classe, que enfrente os banqueiros, grandes empresários e as multinacionais através de um amplo processo de mobilização social e política dos trabalhadores e da juventude vai realizar este programa e libertar nosso país do jugo dos ricos e poderosos.

Este é o desafio estratégico que está colocado para a classe trabalhadora e todos e todas que lutam pelo socialismo. Já estão postas tarefas práticas para logo depois do segundo turno, pois sabemos que as duas candidaturas que estão em disputa neste momento preparam um ajuste fiscal para depois das eleições, conseqüência da desaceleração e da crise na economia que os jornais noticiam todos os dias. Mais uma vez vão querer jogar nas costas dos trabalhadores o custo da ganância e da anarquia capitalista. Precisamos então, desde já, preparar nossa classe para a luta, para a resistência em defesa de seus direitos e interesses.

Porque o voto nulo?
Do ponto de vista mais imediato, então, o desafio é organizar a luta para resistir e derrotar os ataques que virão contra nossos direitos, seja qual for a candidatura vitoriosa. O desafio mais estratégico, por outro lado, é fortalecer uma alternativa de classe, de luta e socialista para o país. E, nos dois casos, isso se faz em contraposição a qualquer das duas candidaturas em disputa no segundo turno. Como, então, falar em “menos ruim” ou “mal maior” para justificar o chamado ao voto em uma destas candidaturas?

As eleições em nosso país são controladas pelo poder econômico, muito longe de qualquer coisa que se possa dizer democrática. Mas o voto não deixa de ser um gesto político. Gesto que fortalece politicamente quem o recebe. Se tanto a alternativa estratégica que queremos construir, como os desafios da luta imediata nos colocam em um campo oposto ao da candidatura do PSDB, mas também em um campo oposto ao da candidatura do PT, não é razoável chamar o voto (ou seja, fortalecer) qualquer destas duas candidaturas. É evidente que não se pode indicar o voto em Aécio, por todo o retrocesso que representa para os trabalhadores. Mas se estamos dizendo que o PT está aliado aos bancos e grandes empresas e governa para eles e não para nossa classe, como explicar uma indicação do voto em Dilma?

O MES (corrente interna do PSOL à qual Luciana Genro é ligada) divulgou nota onde desenvolve um raciocínio enviesado sobre escolher entre “amputar o braço com anestesia” ou “amputar o braço sem anestesia”. Iguala votar em Dilma a “amputar com anestesia” e Aécio a amputar “sem anestesia”, afirmando que no caso das eleições só há estas duas alternativas, “pois um deles será vencedor”. Ora, pura tergiversação para tentar justificar o injustificável – o fato de as principais figuras políticas do PSOL já estarem fazendo campanha para Dilma. Não há apenas duas alternativas para os trabalhadores nas eleições – votar em Dilma ou em Aécio. Os trabalhadores podem negar o voto aos dois, pois o voto fortalece quem o recebe. Podem votar nulo, ao mesmo tempo em que fortalecem sua organização e se preparam para a luta contra os ataques que virão.

Esta postura dos dirigentes do PSOL acaba por fortalecer ilusões entre os trabalhadores de que um governo do PT em aliança com banqueiros, empresários e com partidos e políticos burgueses como Sarney, Collor, Maluf, Jader barbalho possa ser “menos ruim”. E faz isso justo no momento em que estas ilusões já começaram a se dissipar na cabeça de milhões de trabalhadores brasileiros, que estão rompendo com o PT, cansados de suas traições. É importante registrar que, mesmo uma parte dos trabalhadores que estão votando no PT, o fazem mais por medo da volta do PSDB do que por esperança neste partido. Já a perderam.

E é esta ruptura de setores inteiros da classe trabalhadora com o PT que amplia as condições para a imprescindível construção de uma alternativa de classe e socialista no país. Os dirigentes do PSOL com a sua teoria do “menos ruim” ou do “mal menor”, ao não combaterem de forma coerente a alternativa representada pelo PT e seus aliados do grande empresariado podem até estar a favor da “opinião pública” em geral. Mas estão na contramão da construção de uma via de independência de classe, de um campo da classe trabalhadora, independente e contra a burguesia. Na contramão do processo de ruptura com o PT que está em curso, e da educação classista e socialista que é obrigação dos partidos que se reclamam da luta socialista propiciar aos trabalhadores e à juventude.

O maior de todos os prejuízos causados á classe trabalhadora brasileira por Lula e pelo PT foi desconstruir o campo de independência de classe, que os trabalhadores brasileiros construíram com suas lutas heróicas no final dos anos 70 e nos anos 80. Foi ferrenha a luta travada por Lula e pelo PT para levar os trabalhadores a um campo de colaboração de classes, de aliança dos trabalhadores com a classe dominante. Ao ceder à idéia do “mal maior”, estes dirigentes do PSOL atuam alem de tudo, para legitimar uma campanha reacionária que setores do PT não se cansam de fazer contra qualquer intento de nossa classe em se mobilizar ou se organizar de forma independente dos patrões e do governo: a acusação de “fazer o jogo da direita” para, com este raciocínio, tentar aprisionar os trabalhadores no casulo do apoio ao PT e ao seu governo de aliança com a burguesia, negando-lhes o direito á uma alternativa de independência de classe e socialista para o país.

É por isso também que o PSOL não vê problemas em receber financiamento de empresas, como da Gerdau e do Grupo Zaffari ou em fazer alianças com partidos burgueses em prefeituras e estados, como faz o senador Randolfe no Amapá. Esta postura é coerente também com a defesa que faz o PSOL de um programa que só vai até a defesa da radicalização da democracia, sem avançar até medidas que ataquem as bases do sistema capitalista. A defesa de um programa assim pode perfeitamente conviver com a ausência da independência de classe, num ambiente de colaboração e conciliação de classes.

A defesa que o PSTU faz do voto nulo neste segundo turno se impõe por  uma visão oposta, ou seja, a de buscar fortalecer e desenvolver a organização e a luta dos trabalhadores em base a um critério de independência de classe e para construir uma alternativa operária, de luta e socialista para o Brasil. Esta é a necessidade maior da classe trabalhadora e, portanto, o desafio fundamental da esquerda socialista em nosso país.

*Zé Maria é presidente nacional do PSTU