Anos de chumbo: queremos justiça e reparação

11/12/2014 - Por Toninho Ferreira*

A memória e a verdade começam a ser restabelecidas. Nesta quarta-feira, dia 10, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) entregou oficialmente à presidente Dilma (PT) o relatório com o resultado do trabalho do grupo realizado por dois anos e sete meses.

Torturas, assassinatos, desaparecimentos, sequestros, estupros e perseguições. Em mais de três mil páginas, o relatório traz a apuração sobre as graves violações aos direitos humanos, praticadas pela repressão entre 1946 e 1988.

A CNV colheu mais de 1.000 depoimentos, incluindo 132 de representantes do Estado no período, e realizou 80 audiências públicas. Contou com o auxilio de comissões estaduais da verdade e grupos de trabalho temáticos, como o de trabalhadores, do qual participamos como da Comissão da Verdade dos Metalúrgicos de São José dos Campos e região.

Uma série de documentos e testemunhos que trazem um pouco de luz sobre um dos períodos mais terríveis de nossa história.

O relatório final da CNV confirma 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no Brasil, entre as quais 210 são desaparecidas.

Mais de 300 pessoas, entre militares, agentes do Estado e até mesmo ex-presidentes da República, foram responsabilizadas. O documento diz ainda que as violações registradas e comprovadas pela CNV foram resultantes “de ação generalizada e sistemática do Estado brasileiro” e que a repressão ocorrida durante a ditadura foi usada como “política de Estado“ concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República e dos ministérios militares”.

Um excelente esforço para resgatar a memória e a verdade sobre as graves violações cometidas de forma sistemática, planejada e coordenada pelo Estado brasileiro.

Apesar de não ter o poder de punir os agentes que cometeram crimes durante a ditadura, uma das falhas na criação da CNV, o relatório final recomenda cerca de 30 medidas para que as violações cometidas sejam punidas e não voltem a ocorrer.

Por exemplo, a responsabilização jurídica dos agentes públicos envolvidos nas ações, a desmilitarização da Política Militar, a eliminação do auto de resistência à prisão (fartamente utilizados pelas policiais para justificar o genocídio nas periferias do país) e o estabelecimento de um órgão permanente para dar seguimento às ações e recomendações feitas pela CNV.  A comissão também quer a proibição de atos que comemorem o golpe de 64 e a revogação da Lei de Segurança Nacional.

Dilma se emocionou, mas não disse como vai colocar
em prática recomendações da CNV
Esqueletos na gaveta
Resgatar a memória e a verdade é um débito do Brasil. As novas gerações que não viveram esse período precisam saber que o Estado matou, torturou, perseguiu e desapareceu com centenas de pessoas por que questionavam os rumos da política do país e lutavam por direitos.

As contribuições do Grupo de Trabalho dos Trabalhadores, por exemplo, reuniu uma série de documentações e testemunhos que comprovam a colaboração de empresários e empresas não só com o golpe militar, mas na repressão e montagem de sistema de vigilância de funcionários. No documento do GT constam atrocidades cometidas por empresas (estrangeiras, nacionais e estatais) como o apoio financeiro aos órgãos de repressão, perseguições, demissões, prisões e até torturas de trabalhadores.

O Brasil é um dos poucos países na América Latina em que os crimes ditadura não foram punidos. Na Argentina e no Chile, por exemplo, militares e torturadores foram presos. Aqui, a impunidade hoje é a base para as torturas, assassinatos e desaparecimentos que ainda imperam nas favelas, periferias e delegacias do país contra o povo pobre e negro, e também nas fábricas, onde uma ditadura extraoficial ainda impera, com assembleias sendo filmadas e trabalhadores sendo perseguidos, assediados e demitidos arbitrariamente.

Na entrega do relatório final da CNV, Dilma se emocionou, exaltou o trabalho da CNV, mas não fez menção a como o governo pretende dar sequência a medidas que passem, de fato, essa história a limpo, como a punição dos torturadores e das empresas que contribuíram com a ditadura, a desmilitarização da PM, a reparação aos perseguidos e mortos. Ao contrário, o governo segue reticente em tomar medidas que revisem a Lei da Anistia e abra caminho para a punição dos torturadores do regime.

Como sempre, sem pressão e mobilização dos trabalhadores e das entidades democráticas, o governo e o Congresso não agirão para cumprir essa tarefa.

É por isso que nossa luta não acaba. Não só para continuar trazendo à tona as atrocidades cometidas pelo regime, mas por que queremos justiça e reparação. A impunidade não pode prevalecer.


Toninho Ferreira é presidente do PSTU de São José dos Campos e 1° suplente de deputado federal